O suco vilão e outras falácias na internet moderna

Lagarta Pintada Reply 22:37
Chamou minha atenção uma notícia que saiu semana passada na seção TodaEla do UOL. O título anunciava que "as crianças de hoje preferem outras atividades em vez de brincar ao ar livre". Curiosa, fui ler, para descobrir que a matéria tratava de uma pesquisa, que por sua vez teria sido encomendada pela empresa JCB e divulgada no jornal britânico Daily Mail. A pesquisa revelou que as crianças modernas passam apenas metade do tempo brincando ao ar livre se comparado com o tempo que os seus pais gastavam do lado de fora quando tinham a mesma idade. 

A despeito de que provavelmente exista algum fundo de verdade na afirmação -- é de domínio comum o fato de que as crianças de hoje possuem muito mais recursos de diversão e entretenimento dentro de casa do que antigamente, fiquei um pouco aborrecida com a matéria.  Ora, um estudo feito com 2000 famílias no Reino Unido, onde o número de dias ensolarados por ano é pouco maior que 60, realmente não pode ter grande validade nem relevância para a realidade brasileira. 



Isso me faz lembrar de uma notícia que uma vez eu li na internet e me deixou encafifada por um bocado de tempo. Era uma matéria de um jornal online que apresentava uma lista dos maiores vilões da alimentação infantil. E elencaram o suco de frutas. Tomei um susto. Tanta porcaria sendo vendida nas lanchonetes, restaurantes e supermercados e o sujeito vai arrumar defeito no suco de fruta! E a tal matéria ainda apontava um estudo feito nos Estados Unidos para corroborar o achado.


Militante das benesses do suco, acabei esquecendo o assunto e voltei à minha vida de suquinhos felizes. Eis que anos depois, morando nos EUA, fui com a Sissi pequeninha ao pediatra, perguntar quando é que podia começar a dar suquinho. Aqueles que a gente começa a dar quando o bebê vai passando dos seis meses... laranja lima, pera, coisa normal para qualquer mãe brasileira.

A pediatra me olhou com uma cara feia! E desatou numa preleção de que sucos não eram recomendados para bebês, porque continham muito açúcar. Eu confesso que fiquei tão perplexa e confusa que demorei a reagir na hora. Como é que podia ser, suco feito em casa, não vai ter mais calorias nem açúcar do que a própria fruta. (Obviamente eu sequer cogitava colocar açúcar em um suco para o bebê.) Voltei para casa assombrada, pensando que não podia ser que todos os pediatras brasileiros estivessem errados ou loucos!


A ingestão de frutas do americano médio se dá por
suco de caixinha, banana sem gosto e maçã farinhenta.
De repente, me deu um estalo. A doutora americana achou que eu estava falando de suco comprado pronto, de garrafa plástica ou de caixinha! Porque isso é só o que se toma nos EUA... 

Foi uma lição para mim sobre como as diferenças culturais são significativas. Quando eu falei suco, a médica imediatamente pensou em algo pronto, industrializado, porque é isso que eles consomem habitualmente por lá. E não é para menos. Um mamão papaya em Washington D.C. custa alguns - não poucos - dólares, além de quase não ter gosto e ser pálido. A banana, esta então, nem me fale, um desastre no quesito sabor... Naquele momento, morri de inveja de todas as mães que podem ir à feira no Brasil e escolher fruta fresquinha para dar aos seus bebês. 

Mas mesmo longe, pensei, que bom poder me orgulhar de uma referência cultural. E logo me senti muito feliz de ser brasileira. Bem, talvez eu revisse este pensamento nos dias atuais, tempos de tomate a 12 reais o quilo... mas não importa. O que é relevante mesmo em tudo isso é o alerta para as teorias importadas que são alardeadas como verdades, sem questionamento. Sobretudo quando o assunto é o bem-estar dos nossos filhos.

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