Papo nerd: desvendando os três cérebros
Sou uma cientista frustrada. Anos de laboratório, em mais de um curso universitário na área de biológicas, longas tardes acompanhada de microscópios, tubos de ensaio e meios de cultura.... para acabar atrás de uma mesa de escritório. Virei uma burocrata, mas não perdi meu entusiasmo e encantamento pela ciência e pelo que ela pode fazer por nós. Sobretudo, nós mães.
Já comentei em um post anterior sobre a revolução que tem havido nos últimos anos nas Neurociências, com impactos importantíssimos na forma como podemos entender o desenvolvimento e a educação de nossas crianças. Nessa área, me chamou atenção o trabalho da Dra. Regalena Melrose, uma neurocientista dedicada a explicar, de forma acessível, como podemos fazer intervenções em educação com base nos conhecimentos neurocientíficos mais recentes.
Em seu trabalho, a Dra. Melrose se baseia na teoria do cérebro trino, desenvolvida nos anos 90 pelo pesquisador norte-americano Paul D. MacLean, de que o cérebro humano consiste em três estruturas agregadas sequencialmente no curso da evolução das espécies. As estruturas corresponderiam, grosso modo, a estágios de evolução distintos e regulariam funções mais ou menos evoluídas da nossa mente. Segundo ela, essas três estruturas cerebrais (sistema reptiliano, límbico e neocórtex) vão maturando de forma hierárquica, ou seja, uma depende da outra para se desenvolver bem, ao longo do desenvolvimento da criança.
Ok, você vai dizer, mas o que isso tem a ver com a criação do meu filho?
Vamos chegar lá...
Cérebro reptiliano
O que é: a estrutura cerebral que corresponde ao nível evolutivo dos répteis. Comanda os instintos de sobrevivência. Reage, basicamente, de duas formas: excitação e contentamento.
Desenvolvimento: é a única estrutura cerebral em pleno funcionamento no recém-nascido. Fala o idioma das sensações: táctil, olfativa, paladar, audição. A visão é muito imatura nesse estágio.
Como lidar: como um recém-nascido se comunica com você? Pelas reações de excitação e contentamento. Fome, fralda molhada ou qualquer desconforto causam excitação, que se manifesta pelo choro. Quando o problema é sanado, a resposta do bebê é o contentamento, e ele volta ao estado de tranquilidade. Para se comunicar com o bebê nesta fase, abuse dos estímulos sensoriais: tato, olfato, paladar. Evite manter o bebê longos períodos em carrinho ou bebê conforto. Segure-o, acalente-o, se possível coloque em contato direto da sua pele com a dele. Os estímulos sensoriais desenvolvem o funcionamento do cérebro reptiliano, dando sensação de conforto, segurança e propiciando o desenvolvimento saudável da estrutura cerebral posterior.
Cérebro límbico
O que é: corresponde ao nível evolutivo dos mamíferos inferiores. Comanda emoções básicas, a motivação e a memória. Reage com manifestações rudimentares de socialização, o bebê passa a buscar interação com as pessoas ao seu redor.
Desenvolvimento: começa entre 2 a 3 meses de idade. O bebê passa a se comunicar manifestando emoções, o sorriso passa a ser intencional, desenvolve diferentes expressões faciais.
Como lidar: a interação social passa a ser a forma mais poderosa de estimular o bebê a partir desta fase. Tom de voz, expressões faciais, aproveitando os estímulos sensoriais já explorados anteriormente. Procure descobrir o que faz o bebê se divertir e repita várias vezes. O prazer associado a diferentes atividades multiplica as conexões neuronais. Segure o bebê no colo sempre que ele demonstrar necessidade; não tenha medo de "mimar" ou "estragar" o bebê. (As pesquisas demonstram que bebês que têm as necessidades atendidas são mais tranquilos e aprendem a se auto-regular com mais facilidade do que os bebês que são deixados em situações de estresse por períodos prolongados.) Movimentos em vários sentidos (com segurança) - para cima e para baixo, para os lados, girando - ajudam o bebê a desenvolver os músculos e o senso de equílibrio necessário para o amadurecimento da coordenação motora.
Neocórtex
O que é: corresponde ao nível evolutivo dos mamíferos superiores. Comanda as funções "superiores" como pensamento consciente e racional, linguagem, percepção espacial - sendo a parte que mais se expandiu no cérebro humano (sobretudo pelo desenvolvimento evolutivo da linguagem).
Desenvolvimento: começa por volta dos 9 meses e só se completa... POR VOLTA DOS 25 ANOS DE IDADE!!!
Como lidar: o neocórtex responde à linguagem, por isso exponha o bebê ao vocabulário mais variado que puder. Cante, converse, fale trava-línguas, parlendas, pronuncie sequências de sílabas parecidas de modo que o bebê possa observar a articulação dos seus lábios (som de TV não ajuda nenhum bebê a falar sobretudo porque não há associação visual entre o som e o movimento labial necessário para produzi-lo). Fale com o bebê olhando para ele e observando suas reações, descubra o que agrada e, repita, repita, repita. Não acredite que cartazes com palavras e figuras, muito menos vídeos, tenham o poder de ensinar qualquer coisa ao seu bebê (não há qualquer comprovação científica de que flashcards no estilo do método Glenn Doman funcionem). Lembre-se, o neocórtex leva mais de 20 anos para se desenvolver e, durante muito tempo, as crianças precisam dos estímulos sensoriais e emocionais dos sistemas reptiliano e límbico para realmente poderem aprender.
A Dra. Regalena Melrose defende que a imposição de responsabilidades acadêmicas para crianças pequenas é um verdadeiro crime, justamente porque o neocortex ainda está muito pouco desenvolvido. Tirar as crianças de um ambiente lúdico e criativo e colocá-las abruptamente em uma sala com carteiras enfileiradas e cobrança de deveres de casa diários é, na opinião dela, o motivo pelo qual tantos alunos mostram-se hiperativos ou apáticos no ambiente escolar. A ciência finalmente está conseguindo explicar o que muitos pais já intuiram: uma transição mais suave da aprendizagem sensorial para o ensino formal, empregada em escolas com pedagogias às vezes descritas como "alternativas", tem o potencial de produzir crianças mais ajustadas, felizes e academicamente bem-sucedidas.
Fontes:
Website da Dra. Regalena Melrose
Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard
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