Quando o elogio atrapalha a educação dos filhos
"Muuuuto bein! Baaavo!" Sissi é a primeira a repetir para si mesma e para todo mundo à sua volta -- quando sobe as escadas sozinha, fecha a tampa da mamadeira ou guarda seus livros no lugar. Ela já se acostumou com os elogios sempre que faz alguma proeza e checa ao redor para ver se todos nós estamos acompanhando. Por mais que seja uma gracinha ver que ela é tão esperta, eu me preocupo.
Estamos vivendo numa época que supervaloriza o elogio. Os castigos que faziam parte da rotina na educação dos meus pais; a disciplina da época quando eu era criança... tudo isso desapareceu do vocabulário dos pais e educadores de hoje. Lembro de expressões tipo "varinha de goiabeira", "surra de cinta" -- ainda bem que as coisas não funcionam mais assim, claro! Mas tenho a impressão de que a minha geração, talvez influenciada pelos achados da "psicologia moderna", migrou para o extremo oposto.
Em algum momento no século passado, por exemplo, os cientistas descobriram que podiam ensinar ratos a correr dentro de labirintos, pombos a bicar botões coloridos, cachorros a salivar -- tudo usando um esquema controlado de recompensas. Estava aberto um caminho tentador: a idéia de que podemos motivar seres humanos usando um esquema parecido de incentivo. O elogio entra no lugar da recompensa como o reforço positivo para condicionar o comportamento do filho...
Quer seja como recompensa, quer seja como auto-ajuda... todo mundo gosta de ser elogiado. De ser reconhecido e admirado. Fica difícil não defender as conveniências do elogio na hora de educar os filhos. Mas a verdade é que esse caminho fácil de motivar e condicionar comportamento esconde armadilhas.
A principal é que o elogio desloca o foco da motivação. Quando o adulto exclama "que lindo" para o desenho, a mensagem implícita é a de que o julgamento (lindo) é que importa. Logo logo, a criança aprende que precisa agradar ao adulto para que seu esforço seja recompensado, ou seja, o foco de sua motivação se torna externo, quando na verdade melhor seria que fosse estimulada a desenvolver sua motivação interna. Quanto mais ela se tornar dependente de aprovação dos outros, menos auto-confiança e menos capacidade de aceitar desafios terá. Veja a explicação da psicóloga Shelley Nemeth, da Fundação HighScope, sobre o assunto:
Como fazer para encorajar a motivação interna e o esforço? Vários especialistas hoje sugerem que o elogio deve dar espaço ao encorajamento. Maria Montessori já tinha percebido isso anos atrás, e toda sua filosofia é desenvolvida em torno de uma disciplina sem punições nem recompensas, encorajando as atividades da criança para ela desenvolver auto-confiança.
O encorajamento é específico, oferece uma descrição objetiva do que a criança fez e convida à reflexão. Ele reconhece o esforço sem julgar, do contrário estaríamos ensinando que a criança tem valor somente quando faz algo que agrada o adulto.
Elogio
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Encorajamento
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Centrado no resultado
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Centrado no processo
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Introduz juízo de valor ou avaliação externo
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Estimula a auto-avaliação
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Enfatiza que a criança deve agradar aos outros
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Enfatiza que o mais importante é
o esforço e o empenho
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Projeta julgamento/avaliação
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Projeta aceitação
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Desperta a rivalidade, a idéia “você é melhor que
os outros”
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Desperta o espírito de
colaboração, a idéia “você contribuiu desta maneira”
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Para "quebrar" o hábito do excesso de elogios aqui em casa, estou usando algumas estratégias. Toda vez que a Sissi vem me mostrar alguma coisa já dizendo "muito bem!" ou "bravo!", eu faço uma descrição simples do fato, procurando mostrar interesse e tentando relacionar com alguma coisa positiva para ela.
Com base nisso, deixo algumas idéias para você tentar no lugar do "muito bem", "boa menina" ou "que lindo":
- Se seu filho comeu tudo e está orgulhoso... Você pode dizer: Puxa, você comeu tudo! Vai ficar forte, não é?
- Se ele vem te mostrar o desenho... Você pode dizer: Estou vendo que você usou várias cores aqui neste dragão, isso é muito interessante. De que cor você mais gosta?
- Se ele vem te mostrar um desenho indecifrável... Você pode dizer: Vejo que você está se divertindo muito com seus desenhos. Você pode me falar um pouco desse que você fez?
- Se ele guardou todos os brinquedos espalhados pelo quarto... Você pode dizer: Seu quarto ficou muito bem arrumado depois que você guardou todos os brinquedos. Agora você vai ter mais espaço para fazer outras atividades.
- Se ele vem te mostrar as boas notas... Você pode dizer: Suas notas foram boas porque você se esforçou, parabéns. Como você está se sentindo? Se ele não souber explicar como se sente, você pode ajudar: Você deve estar se sentindo muito orgulhoso de si mesmo.
É preciso um certo esforço consciente para trocar o elogio pelo encorajamento no começo. Mas é claro que não é para abandonar de vez os elogios. É só usar assim, como se fosse orégano, uma pitadinha aqui, outra ali, para dar um gosto especial... No longo prazo, você terá oferecido várias oportunidades de demonstrar na prática, para o seu filho, que o que ele faz tem valor mas que independente disso, você o ama incondicionalmente.
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