Mãe de menina: contos de fadas impõem estereótipos de comportamento?
Era uma vez, não faz muito tempo... você era criança e acreditava no coelhinho que trazia os ovos de Páscoa, escrevia cartinhas para o Papai Noel e sonhava com os contos de fadas que ouvia antes de dormir.
Parte das nossas imagens bucólicas de infância, os contos de fadas são passados de geração em geração. Tão fascinantes que viraram personagens de filmes quase obrigatórios para a criançada nas últimas quatro décadas, sem contar a sedução da Disney World, sustentada mais que tudo no encantamento das histórias de bichos falantes, anões e princesas.
Além dessa fascinação, os contos ajudam as crianças a exercitar discernimento com questões morais. Os Três Porquinhos ensinam que o trabalho árduo recompensa e que ser preguiçoso não é legal. Já na Branca de Neve, temos uma boa chance de explicar porque não se deve aceitar nada de estranhos. Comparando a ficção com os acontecimentos da vida real, elas vão aprendendo a diferenciar entre certo e errado. Para especialistas em desenvolvimento, os personagens dessas narrativas têm um papel muito importante, dado que por volta dos três anos os pequenos já começam a formar suas noções de valores de certo x errado, bom x mau, justo x injusto.
A questão é: quais são os valores que realmente são absorvidos pelas crianças através dessas historinhas aparentemente inocentes? Que lições a criança está aprendendo com elas? Será que é apenas a idéia de que "o bem vence o mal", pronto e acabou?
Pois a antropóloga Michele Escoura, da USP, decidiu estudar como as imagens de princesas de contos de fadas moldam os referenciais das crianças em um aspecto crucial: comportamento de gênero. A pesquisa Girando entre princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças avaliou a influência das personagens conhecidas como as "princesas da Disney". A idéia era mapear o que as crianças pensam de feminilidade. Michele mostrou dois filmes para as crianças: Cinderela e Mulan. A pesquisa revelou que as crianças não consideravam Mulan como princesa, porque ela diverge do padrão de beleza e de comportamento das princesas "tradicionais", como Cinderela. Outro ponto é que o filme da Mulan não deixa claro se a heroína se casa ou não. Uma das crianças teria explicado à antropóloga: “Tia, para ser princesa precisa casar, né? Senão não vai ser princesa, vai ser solteira!”
Esse tipo de declaração revela uma verdade que muitos pais não gostam de enxergar: os estereótipos que, sem pensar, estão incentivando nos filhos. Não é uma questão de sexismo, na verdade eu me considero até um pouco sexista. Acredito sinceramente que as diferenças entre homens e mulheres vão além das características biológicas, ou melhor, talvez as diferenças biológicas tenham um impacto muito mais profundo em nosso comportamento do que se supõe. Mas diferenças sociais e de comportamento não significam que a gente precise ensinar aos filhos que homens e mulheres têm papéis pré-definidos na vida.
E aí é que me parece que mora o perigo das princesas... Se reparar bem, as histórias mais clássicas das princesas Disney têm duas coisas em comum: transmitem a beleza como um valor fundamental para a mulher e colocam o casamento como a realização máxima do sexo feminino. Sério?!? Os príncipes são valentes, bravos, ricos e, só de olhar para as mocinhas, lindas, frágeis e passivas, caem de amores e terminam todos felizes para sempre. Será que não estamos sutilmente incutindo no inconsciente das nossas meninas o desejo profundo de conhecer um cara lindo e (de preferência) com grana, que vai cuidar de todos os problemas para a gente poder ser feliz para sempre, mesmo quando todas as evidências mostram o contrário?
Essa imagem abaixo eu achei na internet com texto em inglês sobre a moral por trás dos filmes das princesas. Chamou tanto a minha atenção que eu decidi adaptar para o português. Sem querer ser cri-cri, vejo um fundinho de verdade nas mensagens:
Em cada uma das histórias, a imagem das princesas é totalmente dependente do príncipe: ela não é capaz de tomar nenhuma iniciativa para mudar seu destino, a felicidade só chega quando ele aparece. O modelo é: beleza, que traz príncipe, que traz amor à primeira vista, que traz problemas resolvidos, que traz felizes para sempre. A única que se destaca por alguma capacidade de ação é Ariel, em A Pequena Sereia. Mas também, o que ela está disposta a fazer para conquistar seu príncipe reforça mais ainda a idéia de que vale tudo para "se encaixar" dentro de um padrão estético e fisgar um bom partido.
Basicamente, é como se estivéssemos dizendo para as meninas: "ser bonita é o seu maior atributo". E seria muita ingenuidade pensar que as crianças não desenvolvem uma relação de identificação com essas personagens. Francamente, que modelo pode servir para menininhas uma história que induz à identificação com mocinhas que não demonstram nenhuma inteligência nem iniciativa para resolverem seus próprios problemas, são passivas diante dos acontecimentos e as personagens femininas que possuem qualquer traço de inteligência ou de ambição são vilãs???
Voltando ao trabalho da antropóloga Michele Escoura, ela conclui que as crianças devem ter acesso também a outros tipos de referenciais de feminilidade: “As princesas da Disney carregam consigo um conteúdo que acaba funcionando como restrição à ideia do que é ser mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e aceitas.”
Me parece uma conclusão bem razoável. Não acho que nenhuma menina vá virar mulher-objeto por assistir uns filmezinhos e brincar de princesa de vez em quando. Quando os pais estão por perto, explicando, contextualizando e até mesmo criticando o comportamento das personagens (por que não?) -- as "princesas" podem até se tornar uma boa fonte de aprendizado. Mas aqui em casa, pelo sim, pelo não... pelo menos por enquanto, decidi que não estamos com pressa de brincar de princesas Disney.
Parte das nossas imagens bucólicas de infância, os contos de fadas são passados de geração em geração. Tão fascinantes que viraram personagens de filmes quase obrigatórios para a criançada nas últimas quatro décadas, sem contar a sedução da Disney World, sustentada mais que tudo no encantamento das histórias de bichos falantes, anões e princesas.
Além dessa fascinação, os contos ajudam as crianças a exercitar discernimento com questões morais. Os Três Porquinhos ensinam que o trabalho árduo recompensa e que ser preguiçoso não é legal. Já na Branca de Neve, temos uma boa chance de explicar porque não se deve aceitar nada de estranhos. Comparando a ficção com os acontecimentos da vida real, elas vão aprendendo a diferenciar entre certo e errado. Para especialistas em desenvolvimento, os personagens dessas narrativas têm um papel muito importante, dado que por volta dos três anos os pequenos já começam a formar suas noções de valores de certo x errado, bom x mau, justo x injusto.
A questão é: quais são os valores que realmente são absorvidos pelas crianças através dessas historinhas aparentemente inocentes? Que lições a criança está aprendendo com elas? Será que é apenas a idéia de que "o bem vence o mal", pronto e acabou?
Pois a antropóloga Michele Escoura, da USP, decidiu estudar como as imagens de princesas de contos de fadas moldam os referenciais das crianças em um aspecto crucial: comportamento de gênero. A pesquisa Girando entre princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças avaliou a influência das personagens conhecidas como as "princesas da Disney". A idéia era mapear o que as crianças pensam de feminilidade. Michele mostrou dois filmes para as crianças: Cinderela e Mulan. A pesquisa revelou que as crianças não consideravam Mulan como princesa, porque ela diverge do padrão de beleza e de comportamento das princesas "tradicionais", como Cinderela. Outro ponto é que o filme da Mulan não deixa claro se a heroína se casa ou não. Uma das crianças teria explicado à antropóloga: “Tia, para ser princesa precisa casar, né? Senão não vai ser princesa, vai ser solteira!”
Esse tipo de declaração revela uma verdade que muitos pais não gostam de enxergar: os estereótipos que, sem pensar, estão incentivando nos filhos. Não é uma questão de sexismo, na verdade eu me considero até um pouco sexista. Acredito sinceramente que as diferenças entre homens e mulheres vão além das características biológicas, ou melhor, talvez as diferenças biológicas tenham um impacto muito mais profundo em nosso comportamento do que se supõe. Mas diferenças sociais e de comportamento não significam que a gente precise ensinar aos filhos que homens e mulheres têm papéis pré-definidos na vida.
E aí é que me parece que mora o perigo das princesas... Se reparar bem, as histórias mais clássicas das princesas Disney têm duas coisas em comum: transmitem a beleza como um valor fundamental para a mulher e colocam o casamento como a realização máxima do sexo feminino. Sério?!? Os príncipes são valentes, bravos, ricos e, só de olhar para as mocinhas, lindas, frágeis e passivas, caem de amores e terminam todos felizes para sempre. Será que não estamos sutilmente incutindo no inconsciente das nossas meninas o desejo profundo de conhecer um cara lindo e (de preferência) com grana, que vai cuidar de todos os problemas para a gente poder ser feliz para sempre, mesmo quando todas as evidências mostram o contrário?
Essa imagem abaixo eu achei na internet com texto em inglês sobre a moral por trás dos filmes das princesas. Chamou tanto a minha atenção que eu decidi adaptar para o português. Sem querer ser cri-cri, vejo um fundinho de verdade nas mensagens:
Em cada uma das histórias, a imagem das princesas é totalmente dependente do príncipe: ela não é capaz de tomar nenhuma iniciativa para mudar seu destino, a felicidade só chega quando ele aparece. O modelo é: beleza, que traz príncipe, que traz amor à primeira vista, que traz problemas resolvidos, que traz felizes para sempre. A única que se destaca por alguma capacidade de ação é Ariel, em A Pequena Sereia. Mas também, o que ela está disposta a fazer para conquistar seu príncipe reforça mais ainda a idéia de que vale tudo para "se encaixar" dentro de um padrão estético e fisgar um bom partido.
Basicamente, é como se estivéssemos dizendo para as meninas: "ser bonita é o seu maior atributo". E seria muita ingenuidade pensar que as crianças não desenvolvem uma relação de identificação com essas personagens. Francamente, que modelo pode servir para menininhas uma história que induz à identificação com mocinhas que não demonstram nenhuma inteligência nem iniciativa para resolverem seus próprios problemas, são passivas diante dos acontecimentos e as personagens femininas que possuem qualquer traço de inteligência ou de ambição são vilãs???
Voltando ao trabalho da antropóloga Michele Escoura, ela conclui que as crianças devem ter acesso também a outros tipos de referenciais de feminilidade: “As princesas da Disney carregam consigo um conteúdo que acaba funcionando como restrição à ideia do que é ser mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e aceitas.”
Me parece uma conclusão bem razoável. Não acho que nenhuma menina vá virar mulher-objeto por assistir uns filmezinhos e brincar de princesa de vez em quando. Quando os pais estão por perto, explicando, contextualizando e até mesmo criticando o comportamento das personagens (por que não?) -- as "princesas" podem até se tornar uma boa fonte de aprendizado. Mas aqui em casa, pelo sim, pelo não... pelo menos por enquanto, decidi que não estamos com pressa de brincar de princesas Disney.
7 comments
Ótimo ponto de vista! Concordo. O estereotipo começa em casa em baixo dos nossos narizes. As crianças vão captando aspectos da personalidade desses modelos e adaptando a sua própria.
E por isso que eu gosto da Ceci personalidade forte. Forca pro Cookie Monster! :))
Excelente!!!! Preciso pensar em como educar meus filhos para não esperarem princesas, mas mulheres e companheiras :)
Vivi, é isso mesmo... Embora o post não fale especificamente, penso que temos que ensinar aos meninos que salvar a mocinha frágil e indefesa não é padrão de comportamento do mundo real. Tenho certeza que, com uma mãe como você, seus filhotes serão muito mais que príncipes! ;) beijos.
É, o Cookie Monster merecia um post né? Ainda vou fazer um!
Humm.. pode ser, mas acho depende também da forma como se olha as coisas. Vou dar um exemplo: Quando eu era criança eu amava assistir a A Bela e a Fera. Bela é uma personagem que gosta de ler, quer mais que uma vidinha do interior e não quer casar com o Gaston, um cara burro. Eu achava ela inteligente, e eu gostava de estudar, então me identificava com ela e por isso eu adorava ela. Ela foi pro castelo da Fera, pra salvar o pai, ou seja, é amorosa e corajosa. Lá ela se apaixonou pela Fera, um cara com aparência horrível, mas inteligente. Ela se encantou pela biblioteca enorme dele. Então, ela se apaixonou por um cara oposto do Gaston que era bonito mas era burro e queria que ela cozinhasse pra ele. A Fera deixou de ser Fera, porque deixou de ser egoísta. Não foi a Bela que mudou ele, foi o amor que ele começou a sentir por ela, que fez ele mudar. E que mal tem isso? É errado acreditar que o amor pode mudar as pessoas? Não sejamos hipócritas, todos queremos amar e ser amados. E não acho que seja só essa história injustiçada. É uma questão de olhar. Você pode ver o copo meio vazio ou meio cheio. Ariel é outra personagem que não é burra não. Ela é curiosa, enfrenta o pai não porque quer um marido, mas porque quer conhecer um mundo diferente do mundo dela. Ela coleciona objetos e tenta entender para que eles servem. Nessas aventuras ela por acaso conhece um homem e se apaixona, e aí abandona tudo pra tentar conquistá-lo. Ela nem fica esperando ele vir até ela, ela vai atrás dele. Ela é curiosa, corajosa e decidida. Poderia falar das outras, mas isso aqui já tá enorme... bjs
Me desculpe mas eu não vejo as princesas desse período como fracas cada uma delas tem uma lição importante traz consigo uma parte da população feminina acho que é necessário olhar melhor os clássicos
Oi Anônimo e Marcia Gomes! Concordo com vocês que as princesas tem um lado positivo...Eu vi todos os desenhos de princesa quando era pequena, e acho que devo ter lido todas as histórias também, inclusive algumas que nunca foram mega populares. E minha filha vê alguns, mas eu tenho o cuidado de conversar com ela que casar e "ser feliz para sempre" não é o objetivo maior na vida de uma mulher. Se não fica um pouco limitante não acham? Porque os desenhos direcionados para menino não tem essa mesma temática... A Disney já percebeu isso e vem investindo nessa nova "linguagem" - acho que o desenho da Frozen é um bom exemplo. Beijos!
Postar um comentário