Eu tinha programado escrever hoje um post de sequência na série de posts sobre estratégias de leitura, mas ontem tarde da noite li uma reportagem na internet que me desassossegou. O artigo fala da modelo Cameron Russell e da palestra que ela deu em uma TED Conference sobre percepção de beleza e o impacto na auto-estima e nos julgamentos que fazemos dos outros. Depois que eu postei um texto falando sobre a pressão do universo das princesas Disney sobre os rótulos de feminilidade, não podia deixar de dar meu pitaco nesse assunto: a influência da imagem do corpo nas nossas vidas e, sobretudo, na de quem é mais vulnerável, as crianças.
A modelo Cameron sustenta que não se deve deixar que a imagem de uma pessoa influencie a opinião a respeito dela. Até aí tudo bem, quem é que não sabe disso? "As aparências enganam"; "nem tudo que reluz é ouro"; "não julgue um livro pela capa" -- a sabedoria popular está repleta de conselhos que nos ensinam que a aparência é superficial... Mas quando você olha as fotos acima e descobre que a mulher que está na foto à esquerda é a mesma menininha que aparece à direita -- as duas fotos são da mesma Cameron Russell e foram tiradas em um intervalo de um mês -- você começa a entender o que a modelo quer a dizer.
De um lado, um mulherão sexy, do outro uma guriazinha de maiô do lado da avó. É quase impossível acreditar que se trate da mesma pessoa e, de imediato, fica óbvio como somos levados a conclusões precipitadas só de olhar para uma imagem. Na palestra, Cameron vai além e afirma que o fato de ter a aparência perfeita foi para ela um fator repressivo, pois além de obrigá-la a viver em função do espelho -- o que a tornou profundamente insegura com relação à própria aparência --, afastava-a das pessoas porque todos à sua volta julgavam que ela era mais feliz só por ter rosto e medidas invejáveis.
A palestra de Cameron se tornou fenômeno de popularidade na internet. E a moça resolveu ampliar o debate, criando uma revista colaborativa que dá espaço para mulheres compartilharem idéias sobre a relação entre aparência, auto-estima e o poder da mídia nesse contexto. Cameron, com muita propriedade, diz que todo mundo sabe que a aparência de uma pessoa não tem nada a ver com o seu nível de inteligência, criatividade ou competência; mas que, mesmo assim, ela interfere de forma poderosa nas oportunidades que a sociedade oferece a cada pessoa.
A primeira edição da revista de Cameron, Interrupt Mag, traz uma matéria em que as meninas dão uma lição de simplicidade e sabedoria. Perguntaram a garotinhas entre 4 e 9 anos o que elas pensavam dos próprios corpos. Algumas respostas:
'Eu gosto dos meus olhos. Eles mudam de cor. Eu posso ver tudo. Eu gosto das minhas pernas. Elas são bem compridas.' (Cherae, 5 anos) |
'Eu gosto das minhas mãos. Elas me ajudam a desenhar.' (Laila, 6 anos) |
'O que eu gosto no meu corpo é que eu posso correr rápido, e como eu sou saudável." (Lana, 9 anos) |
'Eu gosto do meu corpo porque ele é mágico.' (Sophia, 5 anos) |
Não parece incrível que meninas tão pequenas já demonstrem uma profunda admiração pelos próprios corpos? E não porque eles se enquadrem em algum padrão de beleza, mas porque são úteis e, como ferramentas, podem ser usados para fazê-las mais felizes.
Mais impressionante ainda é pensar que, em poucos anos, essas meninas vão deixar de apreciar e aceitar seus corpos porque passarão a desejar ser mais magras, esguias, ter menos (ou mais) seios e acabar com as celulites. Em algum lugar entre a infância e a adolescência, o encanto se perde e começa uma relação perversa de dependência entre a auto-estima feminina e a aparência do corpo. Uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas de São Paulo aponta que 67% das adolescentes não gostam do próprio corpo.
Será que a naturalidade dessas menininhas não pode nos ensinar a voltar a gostar mais dos nossos corpos, que nos mantêm vivos neste planeta, que permitem que sejamos felizes e continuemos a existir, mesmo quando já não estivermos mais aqui, por intermédio dos nossos filhos...?
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